Os ciganos Calon e a luta pela cidadania no sertão paraibano.

Por: Polyanni Dallara

O município de Sousa, sertão paraibano, situado nas extremidades do rio do Peixe, concentra um grande número de ciganos da etnia Calon. A cidade sorriso ou cidade dos dinossauros é a terra da maior comunidade de ciganos no Brasil. Os três ranchos da comunidade Calon, localizam-se na periferia de Sousa, no bairro Jardim Sorrilândia, e estão a 3 km do centro da cidade. Há quem diga que os Calon sousenses são descendentes de ciganos portugueses, que foram deportados ou voluntariamente vieram para o Brasil. Na internet podemos encontrar vários artigos acadêmicos, livros e documentários que buscam mapear a relação entre os ciganos da Europa e do Brasil, e mesmo se essa ligação for verídica, não se pode assegurar que os ciganos sertanejos tenham ciência dessa descendência.

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Segundo um dos chefes da comunidade (Rancho de Baixo), Nestor, os ciganos chegaram em Sousa em 1981. Na época, Luis de Oliveira e Sinval Gonçalves (lembrados pelo povo como coronéis) deram apoio aos ciganos, e estes resolveram ficar na cidade. 

Em 1992, o senador Antônio Mariz pediu ao Procurador da República na Paraíba, Luciano Mariz Maia, que abrisse um inquérito civil a fim de investigar as violações aos direitos dos ciganos Calon assentados na cidade de Sousa. Logo depois, o procurador pediu ao pesquisador Frans Moonen que realizasse uma pesquisa de campo nos Ranchos dos ciganos. A pesquisa feita pelo antropólogo em 1993 apontou diversos problemas. Atualmente, os calon sofrem pela precariedade de infraestrutura, falhas na distribuição de energia elétrica e água, muitas famílias não têm acesso ao saneamento básico e uma das maiores dificuldades continua sendo a questão da moradia (muitos ciganos moram em casas de taipa, algumas em péssimo estado e que apresentam riscos para as famílias). Em 1993, o relato de Moonen nos faz perceber que a situação pouco mudou, diz ele: “[…] na maioria modestas casas de taipa e umas oito casas de alvenaria (algumas ainda em construção). Ao lado de várias casas existem ainda “latadas” apenas com um teto de palha e sem paredes, que não são usadas para morar, mas apenas para cozinhar ou exercer atividades diversas.”

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De acordo com o IBGE, censo de 1991, 417 ciganos estavam assentados em Sousa. Segundo Moonen, os ciganos diziam que antes de abandonarem o nomadismo (1982), viviam melhor. Depois disso, muitas doenças começaram a aparecer nas comunidades e passar fome era a realidade de todos os dias. Então, quando o antropólogo visitou os ranchos de Sousa, o cenário era de miséria e extrema pobreza. Além disso, Moonen ouviu queixas de algumas mulheres ciganas, que sofreram esterilização involuntária de alguns médicos de uma maternidade local. Os médicos justificaram as ações por motivos de que se a paciente engravidasse novamente correria risco de vida e também por ela não gozar de condições para criar os filhos. Segundo o pesquisador, os ciganos não costumavam denunciar pessoas das quais dependiam para obter benefícios, mesmo quando agiam ilegalmente. O nível de discriminação em relação aos ciganos era tão grande que eles não tinham assistência médica, só pelo fato de sua origem ser cigana. Outro problema gritante era a falta de registros de nascimento das crianças ciganas, sem isso elas não tinham acesso às escolas ou hospitais públicos. Nos anos 90 os ciganos sousenses sonhavam com a cidadania e os benefícios sociais. A alfabetização era privilégio de poucos e isso era uma pedra no sapato daqueles à procura de emprego. Os ciganos viviam do comércio de cavalos e jumentos/burros, mas a atividade já não rendia como na década de 80. Desse modo, alguns foram vivendo da mendicância, outros viviam do comércio ambulante e as mulheres realizavam a leitura das mãos e faziam rezas (orações) para proteger a pessoa contra os males (doenças, mau-olhado, inveja etc).

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Apesar de todas as dificuldades, os Calon resistem em Sousa/PB, lutam diariamente para conseguirem se organizar e se empoderar socialmente e politicamente. A cultura continua viva. O chefe Nestor conta que os ciganos são muito alegres e não perdem a esperança, não deixam de preservar a sua dança e o seu canto, ainda fazem corte de baralho e leitura de mão. Os Calon festejam todo dia 24 de Maio (Dia Nacional dos Ciganos). Viva a cultura cigana! Viva os Calon! Viva o sertão paraibano!

Agradecemos ao Seu Nestor por partilhar conosco suas histórias e sabedoria. Seu Nestor é um dos chefes da comunidade calon do Rancho de Baixo.

Fotos: Paraíba Criativa

Fontes:

Entrevista com um dos chefes da comunidade, Seu Nestor.

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MOONEN, Francis. Ciganos Calon no município de Sousa/PB (1993 – 2011).

SIQUEIRA, Robson de Araújo. Os Calon do município Sousa-PB: dinâmicas ciganas e transformações culturais. Recife, 2012.

CRIATIVA, Paraíba. Comunidade Cigana de Sousa – Calon. In: CRIATIVA, Paraíba. Comunidade Cigana de Sousa – Calon. [S. l.], 26 ago. 2015. Disponível em: https://www.paraibacriativa.com.br/artista/comunidade-cigana-de-sousa-calon/. Acesso em: 2 jul. 2020.

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