Maracatu e carnaval na Cidade da Parahyba

Por Diego Canuto

(Gravura Johann M. Rugendas, Festa de Nossa Senhora do Rosário, século XIX, Minas Gerais)

Por muito tempo o Maracatu fez parte dos festejos de Carnaval em terras paraibanas, sendo realizado seus cortejos por diversas ruas da Cidade da Parahyba (denominação da capital até 1930) e região circunvizinha até o início do século XX. Reunindo uma grande variedade de manifestações culturais, o Maracatu também demonstrava sua opulência durante os festejos de Momo, sendo realizado por escravizados ou por libertos após a abolição da escravidão em 13 de Maios de 1888. Podemos dizer que o Maracatu é o desdobramento da diáspora africana ou seja, uma tradição criada pelos africanos que aqui chegaram, reinventando e resinificando os fazeres culturais a partir da nova realidade encontrada na América. Como bem expressa a gravura acima, uma festa de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com seu rei e rainha, sua corte, estandarte e batuqueiros, para além de imaginarmos como era realizado os cortejos de Maracatu na Paraíba, já que este também contava com todos esses componentes, fica evidente nesta pintura como as festas e folguedos “refaziam o ser africano, ainda que escravizados” ou libertos (RASCKE; PINHEIRO, 2016, p. 12).

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Uma das mais importantes fontes de informações sobre as características dos Maracatus paraibanos foi deixada pelo memorialista Ademar Vidal quando o pesquisador escreve em 1944 um artigo para a revista portuguesa, Atlântico, intitulado de A tradição do Maracatu. O autor recorre as suas memórias de infância, além de informações fornecidas por pessoas que presenciaram as apresentações dos Maracatus pelas ruas da Paraíba, como seu “amo”, o preto Antônio Pacifico. Desta maneira enuncia Vidal, quanto a presença marcante da população negra, o som de seus batuques e os adereços sempre carregados por estes:

Os negros dominavam inteiramente no Maracatu da rua Direita, não se vendo nem – uma cara branca. Na assistência preponderavam os brancos que aplaudiam e tomavam partido por uma das figuras. Ouvia-se o característico rumor monótono dos atabaques. Uma coisa só, ali, constante, sem variar. O chapéu encarnado era o centro do movimento, vendo-se ao longe sua oscilação gloriosa. Aquilo regulava e dava sentido ao maracatu (1944, p. 43-44). .

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Mais à frente, segue Vidal (1944) voltando a chamar à atenção quanto aos variados atributos conferidos aos Maracatus. São informações que transmitem a forma exuberante contidas nesta manifestação cultural negra, sendo extraído destes aspectos o fortalecimento de uma identidade afro-paraibana. Assim afirma o memorialista paraibano:

Tudo muito importante. Os negros vestidos a rigor nas túnicas bordadas a vermelho e amarelo. As mulheres de saias largas traziam turbantes e corpetes vistosos. O vidrilho faiscava à luz dos archotes, umas enormes lamparinas de azeite de carrapato e querozene. Extravagantes imagens religiosas indicando a influência fálica preponderante. […] Depois das figuras apontadas, seguia-se a majestade do rei e da rainha em trajes de luxo. Mantos azuis compridos. Mantos azuis e vermelhos onde figuravam estrêlas e luas, também o sol e peixinhos isolados, sobressaindo em cores amarelas – o vidrilho rebrilhante à luz do maracatu (VIDAL, 1944, p. 43-44).

Juntamente as informações fornecidas por Ademar Vidal, temos também as contribuições contidas em O Tambiá da minha infância (1949), obra do escritor Coriolano de Medeiros. Ao escrever sobre suas memórias de infância, quando era recém chegado do sertão paraibano no final do século XIX, além das reminiscências de sua juventude e desenvolvimento do Tambiá nas primeiras décadas do século XX, Medeiros aponta marcantes fatos do carnaval realizado na capital paraibana. Tratando das folias de Momo não fica de fora de seu escrito o Coco de Roda da rua do Grude, nem muito menos, segundo o próprio Medeiros, o admirável Maracatu dos escravos de Dona Eugênia.

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Versando sobre o carnaval no bairro do Tambiá das últimas décadas do século XIX, Medeiros relata todas as transformações que sofriam suas ruas quando se aproximava os festejos de Momo. Segundo o escritor, máscaras e fantasias de vários tipos apareciam pelas lojas com preços que variavam de acordo com o poder aquisitivo dos clientes, sendo escolhida pela parcela da elite, mascaras e outros itens que vinham da Europa. Fatos que escancaram desde outrora a desigualdade sócio-racial que aflige nossa sociedade até os dias de hoje. Além das bandeirolas nas cores azul e encarnado, que não podiam deixar de enfeitar a rua do Grude, as indispensáveis seringas de água com seus variados cheiros e cores não ficavam de fora das mãos das crianças, molhando o público que passava com suas fantasias de bicho ou realeza. Essa forma de brincar molhando uns aos outros com água colorida, limas de cheiro, além da lama, era o que mais caracterizava o chamado Entrudo, uma brincadeira reproduzida pela fração mais pobre da população. O Entrudo ou o carnaval traziam consigo dias de completas mudanças em toda a cidade da Parahyba, festejos que só vinham a se encerrarem com a missa da quarta-feira de cinzas anunciando que era o início da quaresma. 

Findado o carnaval e iniciada a quaresma variadas procissões percorriam os bairros da cidade da Parahyba de igreja à igreja, cada uma com seus pátios enfeitados para receber seu público. Porém, mesmo em meio a esses ritos religiosos, não ficava de fora variadas brincadeiras populares, como o Maracatu e o Coco de Roda. Assim diz Medeiros:

No sábado à noite, o Tambiá vibrava de satisfação; jogos de salão, recitativos, modinhas ao violão, danças, cocos, um rumor de festa que, apesar de forte, não abafava as vibrações poderosas do formidável maracatu dos escravos de Dona Eugênia, no sítio plantado às margens da bica de Maria Feia. (grifos meus, 1949, p. 50)

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São variados os motivos que levaram o Maracatu a ter suas últimas apresentações na Paraíba, acredito que vai desde o fim das Irmandades Negras de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a primeira sua patrocinadora e, a segunda, certamente, uma grande apoiadora e possível financiadora também. O Maracatu necessitava de um certo valor financeiro para existir e garantir suas vestimentas e utensílios: roupas do rei e rainha, coroas, estandarte, tudo com muito brilho e exuberância. Para além das causas já apontadas, veio a perseguição da sociedade civil e das forças de repressão do Estado, a exemplo da polícia, reconhecida, segundo Ademar Vidal, na figura do “delegado Santos Coelho”, que “revolveu acabar com o Maracatu e outras tradições paraibanas tão apegadas ao passado” (p. 42, 1944). Ficamos órfãos de uma linda tradição herdada da diáspora africana na Paraíba. O Maracatu paraibano, indubitavelmente, encantou o carnaval e os olhos de quem o presenciou enquanto realizava seus cortejos pelas principais ruas da cidade ou por seus arredores.

Fonte: MEDEIROS, Coriolano de. O Tambiá da minha infância. João Pessoa: A UNIÃO, 1994.

RASCKE, Karla Leandro. PINHEIRO, Lisandra B. Macedo. Festas da diáspora negra no Brasil: memória, história e cultura. – Porto Alegre: Pacartes, 2016.

VIDAL, Ademar. A tradição do Maracatu. Atlântico. Revista Luso-Brasileira: Lisboa- Rio de Janeiro, 1944. Disponível em > http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=tematico&pagfis=22435 . Acessado em: 17 de Marco de 2017.

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