Memória Junina

Junho chegou! E com ele chegam também às chuvas e o frio do inverno. Época aconchegante que, em tempos não pandêmicos, nos enchia de expectativas acerca do início das festividades juninas. Difícil encontrar quem não goste dessa época.

O friozinho de junho nos toca a pele e traz com ele o prenúncio do cheiro das comidas de milho. Pamonha, canjica, munguzá (ou mungunzá), milho cozinhado e milho assado são, sem dúvida, as comidas mais representativas desta época. Mas, junho não é um mês apenas com cheiro e sabor. É também cheio de cores vivas e alegres que formam um cenário único com ornamentações características da época, onde enfeites de bandeirinhas, balões, fitas e fogueiras reais e artificiais, enchem “os céus” da noite de São João.

E por falar em fogueiras…! Estas não podem faltar, pois são essenciais e sinônimo do aconchego familiar nesse período, afinal, é raro quem nunca se reuniu com a família, em volta de uma fogueira, para assar milhos, carnes, queijo coalho e ainda se esquentar nas noites frias dessa época. Não bastasse tudo isso, Junho ainda vem recheado de trilha sonora própria. O Forró divide espaço com Xote, Xaxado, Baião, Coco de Roda, Ciranda, entre outros, mas ele ainda é o ritmo predominante nas casas, bares, restaurantes e em todo lugar que tem os festejos juninos. Um ritmo contagiante, que revelou e consagrou grandes nomes da música Nordestina Brasileira. E junto com a música, vem a dança homônima que alegra a todos e anima o arrastapé. Dançando solto (sozinho) ou agarrado (em duplas ou pares), os brincantes entram em sintonia com o outro e com todos no salão, assim ninguém consegue ficar parado.

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Desta forma, Junho é o mês que ativa todos os sentidos: paladar, olfato, visão, audição e tato. E são justamente estes sentidos que me fazem viajar no tempo para revisitar os junhos da minha infância e juventude, pois lembro bem do frisson que existia em nossa casa por conta da época junina, a começar pela corrida ao centro da cidade para comprar os tecidos das roupas para as festas e para as quadrilhas onde meus irmãos mais velhos dançavam.

Eu, como caçula e com uma diferença de sete anos para minha irmã mais próxima, ficava só á espreita vendo minha mãe costurar nossos vestidos, sempre cheios de babados e cianinhas (fitas e enfeites), e ainda colocar os “remendos” nos bolsos das calças e camisas dos meus irmãos. Tais “remendos” eram pedaços do mesmo tecido do vestido da moça com quem fosse par na quadrilha. Além das roupas, sempre tinha que ter um bonito chapéu de palha e um sapato resistente.

As quadrilhas, nessa época, eram dançadas em “Palhoças” levantadas geralmente, em terreno baldio com chão de barro batido, campinho de futebol, praça ou ainda em pleno meio da rua. Os jovens do bairro que dançavam nas quadrilhas ficavam responsáveis por conseguir madeira, cordas e palhas para fazer a palhoça.

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No Castelo Branco, onde morávamos, a madeira era colhida na mata do entorno da UFPB, e as palhas eram tiradas dos coqueiros das casas dos vizinhos (com consentimento, claro), num ritual anual que movimentava e unia toda comunidade. E assim as palhoças iam surgindo. A do Castelo era sempre levantada no largo do Mercado Público e, enquanto não ficava pronta, a quadrilha ensaiava dentro da Associação de Moradores do Bairro.

Palhoção do Forró, na região onde hoje é o Parque do Povo, em 1983. Ao fundo, observa-se o Obelisco, monumento do Açude Novo. / Blog Retalhos Históricos de Campina Grande.

Estamos falando dos anos de 1980 á 1990 e à medida que os dias de São João iam se aproximando, a ansiedade tomava conta de todos nós. Lembro-me do meu pai trazendo troncos, paus e gravetos para que pudéssemos fazer a fogueira enquanto minha mãe se responsabilizava pela compra do milho no Mercado Central para o preparo das comidas típicas. Já meus irmãos arrumavam a casa e enfeitavam com bandeirinhas e balões até o meio da rua. Como quase todas as casas faziam a mesma coisa, a rua ficava toda enfeitada e colorida também.

Lendo assim, tudo parece muito igual ao que acontece hoje, mas não é. Naquela época, sem smartphones nem grupos de redes sociais, tudo era combinado e organizado pessoalmente, numa verdadeira correria: “corre na casa de fulano pra chamar pro ensaio, vai na casa de cicrano pegar palhas, vai pedir o chapéu de beltrano emprestado, vá na casa da vizinha pegar o moedor de milho”…e assim, era uma agitação diária e constante o mês inteiro, literalmente. Tudo sempre ao som dos forrós da época, que tocavam na radiola ligada nas alturas para esquentar o clima.

Palhoça feita e ornamentada era chegada a hora da movimentação ficar ainda maior. Como meus pais, sobretudo minha mãe, eram muito festeiros, nossa casa estava sempre cheia, e se tornava um ponto de encontro onde todas as jovens da rua iam se arrumar. Eram os últimos ajustes nos vestidos delas e também nos “remendos” das calças deles, a maquiagem que fazia as meninas parecerem verdadeiras bonecas e os meninos ganharem bigodes e barbas antes do tempo. E os adereços? Chapéus de palha com tranças e muitos laços de fita pra elas, chapéus de palha e botinas de vaqueiro pra eles. O empenho era grande para que tudo ficasse pronto e perfeito na hora da apresentação para a comunidade.

Foto retirada da internet. Autoria desconhecida.

À noite, quando o sanfoneiro chamava na sanfona a marchinha tradicional pra animar a quadrilha, aí o “coroné” dava aquele grito no gogó: “Viva São João”! Nessa hora começavam, oficialmente, os festejos juninos e o trio de forró animava a festa até o dia amanhecer, cantando e tocando verdadeiros hinos consagrados da época, como: “A fogueira tá queimando…”, “Olha pro céu, meu amor!”, “É noite de São João, vai amanhecer o dia…”, e por aí vai.

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Para além da palhoça local as quadrilhas também visitavam as palhoças dos bairros vizinhos, fazendo várias apresentações e uma verdadeira tournet pela cidade, tudo isso só com o intuito de se apresentar e se divertir muito mesmo. Naquele tempo a intenção não era competir, mas a “rivalidade” ficava nítida na hora de defender qual o Casal de Noivos mais bonito, a melhor Rainha do Milho, o Capataz mais atrapalhado e brincalhão e o Coronel mais brado. Estes, certamente eram os personagens mais atraentes das quadrilhas de antigamente que, sem tantas roupas pomposas nem coreografias espalhafatosas como as das quadrilhas de hoje, tinham no casamento o momento mais esperado da apresentação. A quadrilha que contasse esta “estória” da forma mais engraçada e convincente, logo conquistava a plateia e era a mais aplaudida. Não havia premiações, no máximo um troféu entregue ou trocado entre os coronéis, e um lanche que era oferecido pela quadrilha da casa á quadrilha visitante.

Foto retirada da internet. Autoria desconhecida.

Eu como era muito pequena para dançar nas quadrilhas, lembro-me demais que ficava “aperriando” minha mãe para comprar bolo pé de moleque, pipoca, milho cozinhado ou assado, cocada, amendoim cozinhado e torrado, tapioca e tudo mais que tivesse de comidas típicas pra vender. Também adorava soltar fogos de artifício, sendo meus preferidos os “traques, chuveirinhos, cobrinhas” e outros fogos “menos perigosos”. Tudo isso era vendido nas barracas que ficavam em volta das palhoças, pelos próprios moradores dos bairros e, muitas vezes, pelas famílias dos participantes das quadrilhas, para ajudar nos custos da festa. Já meus irmãos, após se apresentarem, se dividiam: os meninos iam pras barracas de tiro ao alvo, lança dardos, pescaria, pular fogueira ou tocar fogo em “bombril” (palha de aço) amarrada num cordão, e as meninas corriam pras barracas de ‘adivinhações de Santo Antônio’, o Santo favorito da juventude da época, por se tido como “O Santo Casamenteiro”. Aliás, estas adivinhações eram muito engraçadas e confesso que também já fiz algumas delas (nunca deu certo kkkkkk): enfiar uma faca “virgem” (nunca usada) no tronco do pé de bananeira. Ao retirar a faca, sairia uma letra marcada na faca; segurar uma vela acesa, sem mexer a mão, sobre uma bacia “virgem” cheia de água, até que os pingos da vela caíssem na água, formando uma letra; enrolar uma linha por dentro de um anel e botar debaixo do travesseiro na hora de dormir. Ao acordar, se a linha estivesse toda desenrolada e fora do anel, a moça casaria… E assim, todas as brincadeiras de adivinhação, tinham o intuito de saber qual a primeira letra do nome do rapaz com quem a moça iria se casar no futuro. Vale ressaltar que nunca vi nem ouvi dizer que os rapazes também faziam tais adivinhações. Só as moças faziam para saber se conseguiriam fugir do “caritó”, expressão usada para mulheres que nunca casaram.

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Foto retirada da internet. Autoria desconhecida.

Além das palhoças que eram espaços públicos e bem populares, nos bairros também tinham os “ranchos”, verdadeiras casas de shows privadas, onde a moçada pagava pra assistir às atrações musicais da época: trios de forrozeiros, bandas locais e até alguns cantores e grupos de renome nacional, como: Nordestinos do Ritmo, Jorge de Altinho, Alcymar Monteiro, Assisão, Eliane, Beto Barbosa e tantos outros que faziam sucesso e marcavam presença nas playlists daquela geração.

As prefeituras, assim como hoje, também montavam seus pavilhões e patrocinavam a festa pro povão. À época, em João Pessoa, a festa de rua era montada ocupando toda extensão da Praça da Independência, e seguia o mesmo estilo das festas de bairro, mas com uma estrutura bem melhor. A praça tinha barraca pra todo gosto: comidas típicas, caldinhos, bebidas, jogos de azar, tiro ao alvo, de adivinhações, pau de sebo ou pau de Santo Antônio (um mastro grande de madeira lisa, que era fixado em pé e coberto de graxa. No topo era presa uma quantidade de dinheiro, e os rapazes se revezavam na tarefa deslizante de tentar escalar o pau para resgatar o dinheiro, e ficar com ele pra si). Tinha também parquinho para as crianças e até passeio de cavalinho e de charrete.

Tudo isso criava uma atmosfera iluminada e de um colorido enorme da ornamentação do local, sempre regado ao som de muito forró que enchia a praça por todos os cantos. E assim todos seguiam se divertindo até chegar o momento da tão esperada “atração principal da festa”, marcada por um nome nacional do gênero musical da época. Fosse Dominguinhos, Elba Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo ou outro artista de mesmo prestígio, ninguém arredava o pé do lugar até dançar a noite inteira. E desse jeitinho era a maravilha das festas juninas da minha infância.

Claro que com o passar dos anos chegou a minha vez, e as lembranças da minha juventude também vêm à memória. Mas, estas já são outras emoções, de outra época com outros personagens e figurinos rsrs… E esta história fica pra depois. O que posso garantir é que o cheiro, o sabor e as recordações afetivas dessa festa maravilhosa de São João… Ah! Estes não mudam, jamais.

VIVA SÃO JOÃO! VIVA SÃO PEDRO!

VIVA SANTO ANTÔNIO! VIVA SENHORA SANTANA!

Fonte: Del Santos – Grupo de Estudos e Fomento Coco Acauã

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