Por: Polyanni Dallara
Pode-se dizer que no final do século XX (vinte) até o vigente século XXI (vinte e um), ocorre uma ascensão das mulheres, atuando fortemente na manutenção, fomento e preservação da cultura do coco de roda paraibano. Antigamente, já se tinha notícias da presença de mulheres no coco. Nas festas citadas pelo jornal “O Norte”, fundado em 1908 na cidade de João Pessoa-PB, o aparecimento das mulheres é explicitado de uma maneira um tanto sexista e racista.
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Conflito numa festa de Coco na Cruz do Peixe em 1913
Segundo o jornal “O NORTE” a festa ocorreu na Rua Padre Antônio, na casa de uma “creoula” (termo empregado pelo próprio jornal) conhecida por Badê. O coco (também citado na matéria como: samba) era animado pelo grupo carnavalesco “Quebra mulata”. Apesar do nome infeliz, eles não escaparam da repressão policial. O jornal relata que os integrantes foram agredidos por quatro soldados do exército. Entre tiros e facadas, dois homens, uma mulher e uma criança ficaram gravemente feridos; dois soldados foram apreendidos. Badê foi lembrada e exposta pelo jornal como uma “creoula” e anfitriã da farra, mas também foi a mulher a assistir sua casa virar cenário de faroeste e palco de violência.
O coco inconveniente na casa de Maria Pataca, e preconceito em matéria do Jornal “O Norte” em 1915
O jornal “O Norte” relatou a ocorrência de um Coco realizado todas as noites na casa de Maria Pataca, localizada no Jardim, foi dito: “comparecendo ali desordeiros e vagabundos que perturbavam o socego público com um maracatú inconveniente” (Jornal “O Norte”, 10 de Dezembro de 1915, Nº 2.172). Os vizinhos de Pataca, incomodados com o barulho, foram até a sub-delegacia do 1º distrito e fizeram uma denúncia. O major João Alves ao chegar na residência de Maria Pataca proibiu a continuidade do coco e ameaçou prender Dona Pataca.
No último momento do século vinte, podemos notar uma mudança significativa nesse cenário, e as figuras femininas do coco de roda começam a aparecer. Dentre elas, Dona Lenita (em memória) do Coco de Roda Novo Quilombo (Guruji e Ipiranga – Conde/PB), tiradora de coco, dançadeira, forte representante na luta pelo reconhecimento do direito à terra dos quilombolas na cidade do Conde-PB e candidata à prefeitura do Conde em 1988.
A Mestra Ana do Coco, filha de Dona Lenita, é a guardiã e responsável por transmitir os saberes remanescentes da brincadeira deixada por sua mãe e demais parentes na comunidade. Recentemente ao falar com a Mestra Ana, ela contou que a presença das mulheres no coco de roda ainda não era expressiva em 1997. A maioria dos cocos eram cantados por homens. A letra dos cocos reforçam esse fato, já que o recado do coco era direcionado às mulheres. A título de exemplo, vejamos esse coco do Novo Quilombo, que conheci pela voz de Dona Lenira (tia de Ana):
“Quando eu larguei a mulher,
Comi um bocado amargoso,
Passei num rio temeroso
Quase que não tomo pé
Eu carreguei meu basé
Num carro que vinha de Una
Quase que eu perco a fortuna
Quando eu larguei a mulher”
A atuação das mulheres na percussão do coco e ciranda, tocando bombo, caixa (antigamente era uma lata) e batendo ganzá – coisa rara -, naquele tempo não era possível. Ao menos os registros dos anos 90, feitos pelos pesquisadores Marcos Ayala e Ignez Ayala em Jacumã, Forte Velho, Quilombo Ipiranga e Guruji, em nenhum momento apresentou mulheres tocando instrumentos percussivos nessas localidades, apenas cantavam e dançavam.
Em 1997, no contexto de brincadeira, de festa, os homens tocavam, dançavam; as mulheres dançavam, e ambos tiravam e respondiam os cocos.
Para a minha surpresa e felicidade, Mestra Ana do Coco falou de uma zabumbeira das antigas, Dona Nanô (hoje com 78 anos) do sítio Guaxinduba – Conde/PB, pessoa tímida, mas quando provocada tocava ciranda com gosto de gás!
Nos anos 2000, as mulheres na Paraíba estavam fazendo o bombo chorar. No Bairro dos Novais – João Pessoa/PB, a Mestra Tina da Ciranda do Sol, discípula do Mestre Mané Baixinho (em memória), escrevia seu nome na história da cultura popular paraibana como zabumbeira, cirandeira e brincante. Hoje, Tina é uma das maiores referências femininas da cultura tradicional do Bairro dos Novais: Mestra de Coco e Ciranda, Mestra de Cavalo Marinho e contramestra de Capoeira Angola.
E não podemos esquecer do par de vozes mais fortes da Paraíba: Odete de Pilar e Penha Cirandeira.
Odete de Pilar (Pilar – Sapé/PB) com seus cocos, cirandas e aboios nos remete ao cotidiano e lamento dos povos negros. Uma coquista, zabumbeira e cirandeira respeitada no território paraibano.
Penha Cirandeira (Goiânia – PE) é uma das zabumbeiras com a pancada de bombo mais marcante em toda a Paraíba. Nasceu em Pernambuco, mas a maior parte de sua trajetória na cultura popular se deu em solos paraibanos. Começou a tocar bombo com 13 anos e passou a brincar com o seu pai quando moravam próximo a Usina Santa Helena – Sapé/PB. A voz de Penha é inconfundível e como ela mesma diz: “Jesus e meu pai, me deram o dom de cantar e tocar coco e ciranda.”.
O esquecimento das figuras femininas no coco de roda da Paraíba tem data de validade. Nos dias atuais, houve um aumento relevante em relação ao número de mulheres que regem os grupos tradicionais do coco de roda paraibano, mas é inegável que ainda temos muita luta pela frente.
É importante trazer nomes de lideranças femininas que foram fundamentais para quebrar o tabu da mulher no coco de roda. Sem essas mulheres, talvez, eu e outras mulheres não teriam a possibilidade de tocar os instrumentos do coco de roda e brincar nas comunidades.
Essas mulheres de espírito imenso e força transformadora são: A Mestra Dona Têca do Coco (Monte Castelo – Cabedelo/PB); Mestra Vó Mera (Rangel – João Pessoa/PB); Mestra Zezé (Jacumã – Conde/PB); Dona Nina (Várzea Nova – Santa Rita/PB) Odete de Pilar (Pilar/PB); Mestra Penha (Alagoa Grande/PB); Mestra Lenita, Mestra Ana e Mestra Lenira (Quilombo Ipiranga – Conde/PB); Mestra Tina (Bairro dos Novais – João Pessoa/PB); Mestra Dona Senhorinha (Barra de Camaratuba – Mataraca/PB); Mestra Zefinha de Muriçoca (Quilombo Guruji – Conde/PB); Mestra Dona Edite (Caiana dos Crioulos – Alagoa Grande/PB); Mestra Cida (Caiana dos Crioulos – Alagoa Grande/PB), Dona Nonô (Guaxinduba – Conde/PB) e tantas outras que precisamos descobrir, reconhecer e aplaudir!
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