Por: Polyanni Dallara
A mestra Ana do Coco do Novo Quilombo (Conde/PB) um dia disse que o coco quando não rima tem o pé quebrado, ou seja, um bom coco precisa ter os versos bem amarrados. Também, um coco não pode ser tocado de qualquer maneira, com qualquer pancada, ainda que, alguns cocos são tocados tanto com a pancada do baianado como a do martelo. Apesar disso, nada é enrijecido, vai depender da festa, de como os tiradores e os tocadores estão, de como a roda está respondendo. A energia, o ambiente e as pessoas fazem o coco e vice-versa. Assim, alguns cocos podem ser tocados com as duas pancadas: baianado e martelo; mas isso quem diz é o zabumbeiro (a), pois cada um possui um jeito de tocar – seja qual for o coco.
A sofra (melodia) do coco como chamam os mestres e as mestras e a pancada do bombo mantém uma relação de pertencimento, é quase um casamento: aquela afinação e correspondência irresistível. Tem coco que parece ter nascido para ser tirado com o martelo, mas percebi que para saber como se tira e se toca um coco é preciso senti-lo, vivê-lo. Todo coco abriga uma história vivida (palavras da mestra Ana do Coco) e quando estamos brincando somos transportados para essa mesma narrativa; mas em conformidade com o nosso espírito em tal momento, podemos vivenciá-la numa outra intensidade, em outras feições.
Acredito que todos os cocos que aprendi me trouxeram uma experiência única num ponto definido no tempo, não apenas nas festas no Quilombo Ipiranga como também no São João em Jacumã na casa do mestre Zé Cutia; toda vez que brincava os cocos se revelavam de um modo distinto, nunca se esgotavam em sentido. Sem dúvida, sinto aquela sensação de primeira tirada, que se parece com aquele sentimento de primeiro amor, quando você entra naquele universo do amado e não quer sair mais, você só quer tirar aquele coco e não se cansa de descobrir mais coisas nele, você só quer viver nele e para ele, até que vem um outro coco na roda e te conquista, aí o ciclo recomeça. Eu me casei com o coco de roda por livre e espontânea vontade, um dia lá no Ipiranga me dei conta que estava aliançada. Hoje, quando pesco na memória as brincadeiras vividas, só consigo pensar em duas coisas tão especiais quanto à minha relação com o coco de roda: minha família e Deus. O coco de roda me fez descobrir a Paraíba. Há muito observo as festas no Pavilhão do Quilombo Ipiranga – Conde/PB e um dos cocos que aprendi com Mestra Ana foi aquele do “Rio da Curimã” na pancada do martelo. Segundo a mestra Penha Cirandeira, o coco “Rio da Curimã” também é ponto tirado em terreiro da linha de Jurema, bem como muitos outros cocos que já ouvimos na brincadeira são pontos cantados em terreiro de Umbanda:
“Fui tomar banho
No Rio da Curimã
Quatro horas da manhã
Eu me encontrei com a donzela
Olhei pra ela
Meu coração palpitou
Se ela fosse meu amor
Eu dava palma e capela”
Nunca ouvi esse coco ser tocado na pancada do baianado. Para mim, ele soa perfeito no martelo, fica mais sofrido, é um lamento que merece ser sentido em cada palavra dos versos; com donzela ou sem, mas se tiver uma donzela na história o martelo vai bater com força e a cadência do coco vai fazer a gente chorar com a pancada do bombo. A minha “escola” de martelo foi Jacumã, aprendi com o mestre Zé Cutia e tive a oportunidade de brincar também com João Batista (irmão de Zé Cutia), ambos zabumbeiros finos e fenomenais no martelo. As falanges da caixa do coco de roda também aprendi em Jacumã com Joãozinho da Lambada (em memória) também irmão de Zé.
Alguns cocos têm o poder de fazer a gente errar as batidas do coração quando brincamos. Tudo está conectado. “Coco é recado”, disseram a Mestra Ana do Coco e Dona Lenira do Novo Quilombo, é preciso estar atento porque na roda tudo acontece e tudo se revela. O coco é recado em muitos sentidos, quando dei fé todos os elementos da brincadeira escondiam um recado.
Imagens: Jaqueline Lima (Se Liga na Pauta), Zeca Wallach (Festar Muito) e Diógenes Mendonça, fruto do 1º Encontro de Coco de Roda e Ciranda da Paraíba.
Edição: Polyanni Dallara