Das manifestações culturais tradicionais existentes na Paraíba, os cocos são, sem dúvidas, das mais instigantes e intrigantes brincadeiras desenvolvidas nesse território, ganhando contornos e sotaques próprios conforme a região que em que se desenvolve, o que decorre muito dos trânsitos constantes que fizeram com que esse brinquedo se estabelecesse e tomasse forma.
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O que há é uma série de estilos praticados nos mais diversos municípios do estado, linhas desenvolvidas em aproximadamente 21 grupos, ativos em sua maioria (alguns a trancos e barrancos), tamanha diversidade demonstra irrecorrivelmente que os cocos não são apenas um, mas muitos! A linha brincada em boa parte da grande João Pessoa difere-se completamente das modalidades festejadas nas comunidades rurais do município de Queimadas, nos arredores de Campina Grande.
Historicamente, todas ou grande parte das localidades em que se desenvolve a brincadeira, beberam de várias fontes, em Cabedelo, por exemplo, conforme demonstra Altimar Pimentel no seu livro “O Coco Praieiro”, o porto foi elemento aglutinador de diversos trabalhadores vindos de diversas localidades do nordeste, propiciando trocas. Em Queimadas, mestre Geraldo Preto costuma dizer que o coco brincado lá “veio do Pernambuco”, vez que o trânsito de trabalhadores com o estado vizinho possibilitava que estas pessoas trouxessem consigo as suas vivências, é o caso do festejado mestre Zé Zuca, importante brincador de Queimadas, deixando um legado gigantesco. A semelhança da dança do mergulhão praticada pelos cavalos marinhos pernambucanos, sobretudo, a desenvolvida pelos grupos “de bombo” com a dança do coco furado ou de mergulho feita em Queimadas é gigantesca, outra prova desse trânsito constante é o coco “É meu Maceió” registrado em 1938 na cidade de Itabaiana pela Missão de Pesquisas Folclóricas e cantado até hoje (com algumas diferenças) pelo próprio mestre Geraldo Preto, em Queimadas, cidades estas que se distanciam 91 km.
Três comunidades que trocaram muito em razão do tráfego de coquistas e cirandeiros entre si foram Jacumã, Gurugi e Ipiranga, as grandes festas juninas organizadas nesses espaços trataram de eternizar histórias através de músicas que vêm se perpetuando através das gerações. Os cocos de São João realizados pelo mestre Zé Cutia na vila dos pescadores da praia de Jacumã foram talvez as maiores representações do trânsito de brincadores na região do litoral sul da Paraíba, as festas que se iniciavam por volta das 20h da véspera e findavam por volta das 7h do dia de São João aglomeravam brincadores vindos de Gurugi, Ipiranga, Paripe, Dona Antônia, Mituaçu, todas na cidade do Conde, Penha e Paratibe, em João Pessoa, e ainda, brincantes vindos da cidade de Pitimbu. Segundo conta a mestra Dona Lenira, muitos se conduziam até a brincadeira a pé e unicamente orientando-se pelas pancadas dos zabumbas que iam chamar longe, ou tentavam carona na estrada. Nesse universo se destacaram grandes cantadores como o lendário mestre Luiz de França (em memória), juremeiro e exímio tirador de cocos, tido em Ipiranga e Gurugi como o grande professor de coco de roda na comunidade, além de nomes como o de Dona Zezé e Seu Sebastião (em memória de ambos), grandes mestres cantadores de Jacumã, os três figuram no topo das pessoas mencionadas como referências. Apesar da grande força, os cocos de São João em Jacumã passaram anos adormecidos, retornando às atividades em 2018.
Outro fator que contribuiu para o surgimento de diversas cantigas foi o tráfego marítimo dos pescadores, que segundo conta José Alves dos Santos, o grande mestre Zé Cutia, navegavam com os bombos dentro dos barcos, pra fazer brinquedo nos locais em que parassem, sendo tirados cocos que remontam essas navegações.
No documentário “Caminhos do Coco”, dirigido por Joice Temple, a mestra Dona Edite, do coco de roda e da ciranda do quilombo de Caiana dos Crioulos, em Alagoa Grande, também comenta um pouco sobre os trânsitos que influenciaram a brincadeira na região, a mestra fala que em tempos antigos os trabalhadores da comunidade iam trabalhar nas usinas de Pernambuco e quando retornavam a Caiana traziam cocos que haviam aprendido durante a estadia no estado vizinho. É realmente fantástica a importância que teve o movimento, o trânsito, o tráfego de pessoas e informações para que as brincadeiras dos cocos se espalhassem, se fortalecessem e ganhassem uma sumidade de particularidades por todo o Nordeste brasileiro, é importante dizer que os cocos seguem viajando entre as cidades e comunidades, na Paraíba isso não se mostra diferente, como exposto, os cocos ganharam inúmeros sotaques, por isso o que se entende por “coco paraibano” é, na verdade, um conjunto de manifestações tradicionais que bebem de diversas fontes e que se reconhecem como sendo coco, não existe um, mas vários cocos paraibanos, que ocupam e se desenvolvem em seus territórios e que juntos ajudaram e ajudam cotidianamente a construir uma identidade paraibana.
Texto: Arthur Costa.
Fonte: Diálogos com os mestres, “O Coco Praieiro” (Altimar Pimentel), Acervo da Missão de Pesquisas Folclóricas, “Caminhos do Coco” (Direção: Joice Temple).
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