Por Zé Silva | Coco de Roda Acauã
O coco de roda e a ciranda têm uma íntima ligação com as lutas por terras e direitos em território paraibano e por todo o Nordeste. Muitos brincantes são agricultores, os quais utilizavam e ainda utilizam, essas manifestações culturais como instrumento de resistência. Seja para cantar um coco em um momento de protesto, como forma de diversão depois de um dia árduo de trabalho ou para contar histórias que marcaram esses momentos.
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Em uma das tantas visitas que fizemos (Grupo de Estudos Coco de Roda Acauã) ao Quilombo Ipiranga, Dona Lenira, uma das maiores mestras de coco de roda e ciranda na Paraíba, nos contou que os moradores dos Quilombos Ipiranga e Guruji passaram em média 20 anos sem brincar, o coco voltou a ganhar força em um protesto por terras em que os quilombolas estavam presentes. Dona Lenira, em determinado momento, sugeriu que as pessoas ali brincassem um coco e perguntou se tinha alguém que soubesse bater o bombo, um senhor disse que sabia, ela então puxou o coco que viria a ser conhecido, ao menos nos quilombos Ipiranga e Guruji, como o hino nacional do coco de roda: Samba negro. Com seus versos fortes sobre a resistência negra à escravidão e até hoje é bem atual.
“Samba negro, branco não vem cá
Se vier, pau há de levar”.
CONFLITOS POR TERRA
O conflito na Fazenda Gurugi, em 1982, localizada no município do Conde, estado da Paraíba, teve início quando o então proprietário Nelson Pimentel arrendou o imóvel para o senhor conhecido como Mariano, o tio de Zequinha. O novo rendeiro, com o apoio do prefeito do município, Aluisio Régis, passou a intimidar e destruir as roças de aproximadamente 90 famílias que viviam e plantavam no local – em regime de cambão – há mais de cem anos..A comunidade decidiu denunciar a ação do rendeiro e pedir apoio ao então Padre da Paróquia, Frei Domingos, que, por sua vez, procurou o apoio da Pastoral Rural através de Frei Anastácio. Para impedir a organização dos camponeses e camponesas, o rendeiro resolveu contratar capangas, que além de intimidarem e amedrontarem as famílias, destruíram a sede associação de Guruji.
Outro crime, desta vez ainda mais perverso e brutal, ocorreu no dia 28 de dezembro de 1988. O fazendeiro arrendatário mandou matar uma das lideranças da comunidade, o camponês José Avelino. Naquele dia, Zé de Lela, como era conhecido na comunidade, havia chegado de uma reunião em João Pessoa com outros camponeses, jantou por volta das 18h e sentou-se em frente ao portão do seu casebre quando foi alvejado por um tiro de espingarda calibre 12..Três meses após o assassinato do camponês Zé de Lela, mais precisamente no dia 30 de março de 1989, um dos capangas da fazenda, Severino Mariano, conhecido por Biu Mariano, atropelou um grupo de camponeses que estava em frente ao Fórum do município de Alhandra para participar da audiência sobre o assassinato do trabalhador rural. Na ocasião, 28 pessoas ficaram feridas e uma camponesa, Severina Rodrigues, conhecida como Dona Bila, foi morta. Bila era do Quilombo do Ipiranga. Meses depois desta chacina, o assassino de Dona Bila falou que a matou pensando que era a Mestra Ana do Coco. Esse episódio ficou conhecido como “Chacina de Alhandra”.
Mestra Ana nos ensinou um coco que era cantado por outra grande referência na luta por terras na Paraíba, Elizabeth Teixeira. A mãe da Mestra Ana, Mestra Lenita, acompanhava as lutas por terras em Sapé, na Fazenda Antas, onde cantavam esse Coco..O coco era esse:
“E olha o coco, estabilo, bilo, bilo, ô lelê… E olha o coco estabilo, bilo, bá.Minha senhora, por que chora esse menino? Chora de barriga cheia com vontade de mamá. Minha senhora, por que chora esse menino? Chora de barriga cheia com vontade de apanhar… E o olha o coco, estabilo..”
Elizabeth Teixeira cantava esse coco com seus filhos quando a polícia batia à porta de sua casa ameaçando invadi-la. A história de Elizabeth já é bastante conhecida por sua luta pelo direito à terra através das ligas camponesas e pelo clássico filme “Cabra Marcado Pra Morrer” do diretor Eduardo Coutinho que conta toda história de luta e resistência dessa heroína paraibana. “…enquanto eu for viva eu não vou me esquecer nunca de João Pedro Teixeira (esposo de Elizabeth que foi assassinado por sua luta nas ligas camponesas), uma pessoa que teve tanta coisa pra me ensinar, pra me ajudar a viver, pra me ajudar a ver que num país capitalista como o nosso, só tem valor quem tem dinheiro, só merece consideração quem tem o poder.” – Elizabeth Teixeira .
Não posso esquecer-me de citar a luta por terras dos quilombolas de Caiana dos Crioulos e de todos os quilombos, aldeias e assentamentos na Paraíba. Depois de 30 anos de lutas pela direito à terra, no dia 03/02/2020, os habitantes de caiana dos crioulos conseguiram a posse de parte do território quilombola e comemoraram com muito coco de roda e ciranda.
O coco é recado e resistência!
Fonte: Mestra Ana (Coco Novo Quilombo); Filme “Um mestre marcado para morrer”; Mestra Lenira; Site: cptne2.org.br e reformaagrariaemdados.org.br.
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