POÇO JOSÉ DE MOURA: O MITO, O MÍSTICO E O REISADO.

Por: Polyanni Dallara

A cidade, Poço José de Moura, conhecida por ser “a princesinha do sertão” (devido ao pouco tempo de emancipação), localizada no alto sertão paraibano (região intermediária: Sousa – Cajazeiras), abriga uma fonte de mitos e lendas a respeito de sua fundação, inaugurando uma narrativa enigmática. Sem dúvida, os mitos fundadores do poço geraram um imaginário popular riquíssimo, pois os saberes populares contam histórias de um povo e é resultado de uma rede complexa de relações sociais, políticas e vivências do sagrado (as diferentes formas de se experienciar os rituais religiosos).

O mito originário (de origem) do Poço José de Moura, e em seguida, o aparecimento do místico José de Moura, foram eventos (sejam isolados ou não) que contribuíram para o cruzamento de diferentes etnias, culturas e costumes, pois a cidade acolhia viajantes de todos os lugares que chegavam com o intuito de se consultar com o místico, e foi ele o primeiro animador e mestre do brinquedo ‘Reisado’ (Folia de Reis) no poço.

Segundo relatos dos moradores da cidade, a história se desenrola com a Dona Tomásia de Aquino, uma fazendeira rica, que na época residia na cidade de Icó – Ceará. A fazendeira foi e é lembrada de um modo não muito carinhoso: chamam-na de ‘solteirona’, apelido empregado com tom pejorativo pela própria instituição governamental da cidade (a história se encontra numa placa de inauguração de uma praça pública); antigamente era absurdo uma mulher não estabelecer matrimônio, embora fosse rica e letrada, ser solteira era o fim da picada. Em 1824, a seca tinha matado de sede e fome parte do rebanho de Dona Tomásia. Na esperança de encontrar água e salvar o restante do rebanho, ela mandou o vaqueiro Gonçalo Moura procurar água nas redondezas do rio do Peixe para refrescar o rebanho. Reza a lenda, que o vaqueiro Gonçalo ao chegar nas terras é surpreendido por um ‘causo’ inesperado. O vaqueiro ao chegar num terreno seco, viu um bode escavando um poço até jorrar água. Esse lugar recebeu o nome de Cacimba do Gado.

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Oratório e acervo de pertences do Místico Zé de Moura, localizado no: Memorial Zé de Moura, Poço de José de Moura – PB.

Com isso, Gonçalo firmou residência no poço. A partir daí, surge uma figura enigmática na história da cidade: José de Moura (Zé de Moura). Segundo os relatos, não há um ponto de ligação preciso entre a descoberta do poço e o aparecimento de Zé de Moura. Há uma quebra na história, dando a entender que o místico misteriosamente passou a residir na vila (sem nenhuma explicação aparente). Porém, duas histórias sinalizam a possível procedência do místico: alguns moradores afirmam que ele foi descendente do vaqueiro Gonçalo (bisneto de Gonçalo, há documentação genealógica comprobatória) e filho de Dona Filomena Ribeiro de Carvalho (uma ex-escrava), outros dizem que ele migrou para a vila, acompanhado de sua mãe (não citaram nomes), uma ex-escrava, herdando dela os saberes do curandeirismo, firmados e congregados nas raízes de matriz africana e no catolicismo (prática habitual na região). As narrativas acabam por não serem solucionadas (muitas histórias), mas o fato inegável, é que o curandeiro, rezador e benzedor conquistou um número inimaginável de fiéis, todos queriam ouvir e participar das suas rezas, terços e ladainhas. Zé de Moura é considerado o fundador da cidade (Poço José de Moura) e da Igreja Matriz São Geraldo Majella.

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Além disso, uma das maiores contribuições do místico em relação à cultura tradicional local se deu por intermédio da fundação do Reisado (hoje centenário). Em 1920, o místico animou um grupo para brincar o Reisado, uma dança popular que simboliza a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus e festeja o nascimento deste. Em conversas com o atual mestre do Reisado Zé de Moura, José Vandervan (sobrinho de Zé de Moura/2º grau), nos disse que se brincava o Reisado nas oitavas de Natal (de 25 de Dezembro a 06 de Janeiro). Segundo ele, os caboclos, galantes, damas e Rei, saíam com seus trajes coloridos em procissão pelas casas, saudando o povo com as toadas (cantigas), acompanhados de triângulo, sanfona e zabumba. Também, a brincadeira não consistia apenas em festa, mas sobrevivência, pois quando o Reisado passava nas casas, as famílias presenteavam os brincantes com comida e dinheiro (tanto para a manutenção do brinquedo quanto para a confraternização dos brincantes junto às suas famílias no Natal); disso resultou um velho ditado até hoje conservado: “Fulano saiu tirando Reisado”. É importante ressaltar a fala do Mestre Vandervan com relação à atuação das mulheres no Reisado: há 50 anos atrás as mulheres não podiam brincar o Reisado (os valores da época não permitiam); disse ele: “A figura da mulher era representada por um menino trajado de mulher”, esse cenário se manteve de 1920 até 1966. O Reisado sertanejo Zé de Moura, conserva uma tradição própria; batizado de ‘o Reisado da volta’, explora os acontecimentos ocorridos após a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus, em que o anjo alertou aos magos que Herodes ia matar o menino Jesus, e assim, os magos trajaram-se com máscaras e, pedindo esmolas, fizeram o caminho da volta a fim de manter o disfarce.

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O Reisado abriga saberes populares valiosíssimos. Nele o Sagrado e o Profano não se excluem, mas, em unidade, apontam para o mesmo: a vida de um povo (contada pelo próprio povo). De um lado, temos o apelo do povo às Divindades (o brinquedo é praticamente uma fusão de religiões e etnias), de outro, o mesmo povo não economiza críticas às instituições religiosas, fazendo isso por meio da dança, música, poesia, teatro e humor. No Reisado há espaço para a religiosidade e a crítica social e política; fala-se de tudo e de todos, ninguém escapa do recado.

“Viva nossa cultura, Viva o nosso Reisado, Viva o povo desta Terra, aqui bem representado.”

Agradeço à amiga Mirian e ao Mestre José Vandervan pelas conversas, registros e pelo aprendizado.

Mirian é moradora do Poço; bem como seu José Vandervan, atual Mestre do Reisado Zé de Moura.


Fotos: Mirian e José Vandervan

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